O retrato fotográfico é fruto de um encontro, e, como tal, obedece à natureza dos encontros. Explicome: um set fotográfico – seja em estúdio, locação ou no meio da rua – vem carregado de expectativas e pré-concepções.
Entretanto, é na interação com o sujeito, que está diante do fotógrafo para ser retratado, que a coisa se desenvolve. Ou não. E como em qualquer encontro o choque de personalidades, desejos e, principalmente, o acaso, são determinantes para o resultado final.
A ideia de que um fotógrafo possa captar a alma ou a essência mais verdadeira da figura humana, para mim, é uma tolice, mas povoa o imaginário de grande parte dos críticos e apreciadores de retratos. Não acho que ninguém tenha este poder de ir a essas profundezas, e, mais que isso: eu, como fotógrafo, a última coisa que me vem à cabeça é tentar traduzir a essência ou a alma de alguém. Não tenho esta pretensão.
Como dizia, numa feliz metáfora, o grande retratista norte-americano Richard Avedon, “se rasparmos a superfície de um retrato (como numa raspadinha) encontraremos outra superfície, e assim sucessivamente”.
Todo mundo que já foi fotografado sabe que, quando tem uma câmera apontada para si, o sujeito tenta se comportar de maneira a antecipar a pose final. Nada contra, há sempre um aspecto ficcional e uma construção no fazer de um retrato, muito embora a tal da busca da verdade faça, muitas vezes, parecer que procuramos algo muito maior do que é possível encontrar.
A cantilena usual “eu não me reconheço nesta imagem”, ou, por outro lado, “eu sou exatamente isso que está aí neste retrato”, são as duas faces de uma mesma moeda – aqueles que atribuem a uma fotografia o poder de revelar algo admirável e/ou encoberto de alguém. Rejeito esta ideia insistentemente, pois como dizia o filósofo francês Roland Barthes “uma fotografia é sempre invisível, ela nunca é o que vemos”. Interpretações definitivas a respeito de uma imagem, em geral, são artimanhas para justificá-la.
Uma obra com vários retratos de um único fotógrafo diz muito mais sobre o próprio fotógrafo do que sobre os seus retratados.
O retratista atua no comando de poses e/ou coreografias, num fluxo constante de movimentos, gestos e silêncios, até que sinta ter exaurido as possibilidades de uma situação dada, o que, ao final, depende de um senso de cooperação e confiança recíproca entre seu sujeito e ele.
De todo modo, alcançar um bom retrato é quase um milagre, tais os aspectos dissonantes que pairam como um campo de força sobre o momento de fazê-lo, sejam eles: a expectativa do fotografado, o desejo do fotógrafo, o aparato técnico (câmeras, luzes) e os pedidos de quem contratou o trabalho (quando há terceiros envolvidos), todos fatores de intimidação para quem está diante e detrás de uma câmera. No entanto é nessa arena plena de intensidade que se dá a mágica do “milagre”.
Bob Wolfenson