[...] Diadorim é minha neblina.”.
“E o que era que eu queria? Ah, acho que não queria mesmo nada, de tanto que eu queria só tudo. Uma coisa, a coisa, esta coisa: eu somente queria era — ficar sendo!”.
Grande Sertão: Veredas (1956), de João Guimarães Rosa.
Então estamos, e aqui falamos de amor; do amor de poder não se estar. Você, corpo; nós texto, imagem, objetos na parede. E é no meio dessas três vontade que esse espaço olha pro ser estado, partindo de propostas mitológicas de um Sertão sem curvas, entremeado de veredas, como quem senta à sombra da gameleira, na estreitez do passo.
Na construção deste espaço, algo está posto, “a relação de uma vida de quem, contando-a, quer ver claro em si mesmo”, nas palavras de Paulo Rónai, ao aludir ao modo como o verbo se estirava dos escritos de João Guimarães Rosa, e que reclamamos aqui a partir da imagem e mitologia de Diadorim, personagem de seu romance Grande Sertão: Veredas. A significação do título - tanto da própria exposição, quanto do espaço expositivo em si — opera como um exercício que dá o tom à ideia de deslocamento que perpassa tudo que aqui está com vocês: as sintaxes, semânticas, sexualidades, corpos, gêneros, paisagens, textos e palavras, assim como seus rastros de subjetificação política.
Então estamos, e aqui nos propomos a isso: falar do cativo e doméstico
Dar corpo ao som que sai do meio do peito, rasga o dentro da orelha, só pra voltar e agarrar a barriga; palavra é como filho; e as da boca do sol são imensas: O aceno ao que existe do doméstico no nosso processo de cura e encontro quando não há mais a visagem de astros, e só existir a fala dos anjos (When there is no Sun, 2024; When Angels Speak Of Love, 2022).
Olha pra cima, pro céu. Olha pra baixo, pros seus fragmentos, aqui matéria dobrada e trazida ao espaço pelo gesto em um jogos de oxidações, pedaços do céu, simulações da pele (Lança 2, 2023; Pedaços de Céu, 2024); A distância é um detalhe, pequeno ou imenso, seja pela linearidade com que podemos encontrar nosso lar em um mapa (Sete, 2024), ou pelo modo como o espaço pode habitar duas estâncias de si por meio da trama (there is space in other place, 2023); Manchas de nuances e dedos engordurados de delícia, carvão e grafite que tomam a folha e nos apresentam um espaço onde natureza, luz e sombra são (Arde o céu e a sombra, da série floresta, 2023).
Então estamos, e aqui nos propomos a isso: falar da paisagem e do caminho
Lugar onde voltamos à forma primeira, à motriz do nosso deslocamento, desde a genética com sua proposição inicial, ao carro de boi que leva corpo pelo árido (kenda, 2023); É também sobre o tempo dos rios, e dos cercamentos que fazemos a eles, na construção de paralelos entre nossos corpos e seus leitos, seus desvios em forma de serpente que domesticamos, assim como das vontades por onde nos deitamos e nos submetemos de forma compulsória (Rumo ao Desvio, 2018/24).
Então estamos, e aqui nos propomos a isso: falar do afeto e do modo como nosso estar reconfigura ser
O lugar de uma afetividade pura, apenas expressável pelo estar-em-corpo-em-liberdade (Valeska, 2024); O corpo demais que escapa das bordas em abraço (Mulher Homem Bicho, 2022); Corpo se move pelo espaço,dotado de nudez e transparência. Seus gestos e trejeitos sincopados a um som metálico, nos percorre (Encarnación, 2024); Assumir que todo gesto é passível de um outro lugar, operando como acúmulo sobre si mesmo, construindo um espaço a partir do descarte, compreendendo o erro daquilo que sai da boca do outro em um exercício autônomo de teimosia (Tudo que você me disser que é o certo eu farei o contrário, 2024).
Figuras do mito do desejo e da carne, os deslocamentos que tomam as estradas e o possível (Sátiro, 2023; Transicione II, 2023); Há muita vontade do que nasce ainda não dito, fresco enquanto palavra nova, nunca enunciada de boca, uma fome que devora a própria natureza da pintura, em um movimento que engole os fundos e as figuras (Faceless, 2024); A emulação dos sabores e texturas, em arranques ao desejo (Molengas, 2024), nos dizendo sobre a nutrição, seja dos nossos corpos e sua responsabilidade com a história, seja da geologia.
Então estamos, e aqui nos propomos a isso: falar dos nome todos que existiram ontem pras coisas hoje
A operação de dualidades retorna, por meio de figuras que se alargam no esboço, embebidas em abstração multicor e potência, operando o espaço ao seu modo, entendendo a arbitrariedade que existe entre o gesto e o tempo. (Três Figuras no Jardim, 2024); Ou como torções e amarrações aludem à manufatura e história da fumaça, seu enrolar com a história pessoal e doméstica, e seu lugar na encantaria (Tobacco Studies 15, 2024); Como mancha, cor e fatura, a tríade rosiana dança, jogando e lançando gestos ao espaço pela afirmação de suas existências (veredas: Riobaldo Tatarana, 2022/2023; veredas: A Encruzilhada, 2022/2023; veredas: Riobaldo, Zé Bebelo e Diadorim, 2022/2023).
De errâncias sobre onde descansamos e suas livusias, detalhes se removem da paisagem, em um jogo de assimilações que observam a fatura de quem opera a palavra e a imagem (Abismos, 2023; Cortázar, 2018/23; Susan Sontag, 2016/23; Jean-Luc Godard e Guimarães Rosa, 2024); Ainda sobre o lugar onde descansamos, assumimos e reconhecimentos aquelus cuja história se coloca contra a parede e o tempo em um exercício de espectrologia (Jimm, 2023), os recebendo com abraços imensos.
Então estamos e aqui não chove, ou se choveu faz tempo; trovejo de cala-a-boca. Então estamos, e aqui falamos de amor; do amor de poder não se estar. Você, corpo; nós texto, imagem, objetos na parede. E é no meio dessas três vontade que esse espaço olha pro ser estado, partindo de propostas mitológicas de um Sertão sem curvas, entremeado de veredas, como quem senta à sombra da gameleira, na estreitez do passo.
Guilherme Teixeira