O amor será eterno novamente
Por algum motivo, sempre que penso nas pinturas de Samara, a voz de Clara Nunes ressoa em meus ouvidos.
O sol há de brilhar outra vez… ecoa de forma direta, enquanto este texto se desenvolvia apenas dentro de mim, sem que uma única palavra tenha sido ainda escrita. Talvez seja um grande clichê belo da música brasileira — emocionante e sempre presente nos sambas, onde, por vezes, encontramos o amor, confrontamos as emoções e despertamos um senso coletivo ao cantar em uma só voz.
Não sou uma grande sambista, e acredito que Samara também não seja, mas as nuances erguidas pela canção — entre brilhos e tons — podem nos ajudar a compreender o estudo de cores desenvolvido pela artista. Há uma veracidade que encontramos em sua paleta, marcada por tonalidades quentes, como um fogo brando que permeia o aconchego e cria um espaço seguro, um ritmo a ser tocado.
Em “Juízo Final”, música que trago à guisa de companhia, constroi-se uma imagem ainda dicotômica entre o bem e o mal, uma dualidade que se ancora em resquícios cristões e reflete a miscelânea de crenças presente tanto no trabalho de Nunes quanto no território brasileiro. Aqui, novamente, não pretendo me deter na canção, mas buscar saídas para um campo espinhoso, como o sonhado por Maria Firmina dos Reis, escritora maranhense do século XIX, que trazia o amor em seus poemas, atrelando romances às lutas.
Conflitos são passagens quase inexistentes nas imagens compostas por Samara. O descanso embala nossos olhos como uma força motriz, acentuando-se como uma cena de filme, onde os personagens se cruzam e se observam sem pressa, em um cenário borrado, onde apenas suas presenças importam, aquecidas pela luz. Dando nome e forma a uma de suas pinturas, vemos o “Rio”, ou talvez o Rio de Janeiro, como uma travessia possível, um espaço de encontro, uma pulsão de efervescência.
As pessoas pintadas por Samara parecem exercitar suas diferenças através do simples, do cotidiano — um direito novamente aclamado por Maria Firmina ao escrever livremente sobre um buquê de flores que desejou oferecer. Esse lembrete de uma mulher negra que compunha textos há mais de 100 anos atrás, se espelha neste pequeno arquivo de gestos, a quais estes rostos não pertencem a nenhum tempo, mas são como memórias que guardam e misturam imagens das ruas, de fotografias, de filmes e muitas outras, que tornam a nos alimentar.
Como um primeiro desejo:
O amor será eterno novamente. Pode-se aqui, fechar os olhos como quando se traça um feitiço na mente, não há espaço para distrações.
Ariana Nuala