Exposições

Maralto

Marlon Amaro
16/03 - 18/05/24

Uma pessoa disposta a abraçar a vida, a mergulhar fundo e explorar quem se é, quem está se construindo, percebendo e nadando nas ambiguidades da vida. Buscando um equilíbrio. E de corpo aberto. Talvez essa não tenha sido a minha primeira impressão ao ter contato com a série “Amanhecer, Entardecer, Anoitecer", produzida por Marlon Amaro entre 2023 e o início de 2024. Mas, com certeza, foi a impressão mais persistente. Esta série aponta para alguns caminhos percorridos por Marlon em outras séries, como o que ferve na superfície e como seu corpo registra e reage às questões raciais contemporâneas, mas ao mesmo tempo, o atravessar das horas e dos dias aponta uma anunciação de mudanças, sutis, ínfimas, mas que levarão a pontos de virada.

Maralto, exposição aberta na Nonada ZN em março de 2024, fala dessa trajetória e da linha ténue entre ambiguidades e equilíbrios. São 25 obras inéditas que trazem em seu bojo a narrativa de quem partiu e segue em busca. Maralto, Mar Alto, Mar Pleno ou mesmo Alto Mar. Por alto mar entendemos a condição marítima distante dos limites territoriais nacionais, lugar no qual a soberania (de si) impera, onde se está em mar livre, mar pleno e, portanto, não se pode ser submetido legitimamente, à outre. Ao mesmo tempo, é em seu sinônimo Mar Alto, maralto, nesta exposição, que encontramos os sentidos bíblicos de estar lançado, metafórica ou literalmente, a esta condição: lançada a rede, não se perde a fé. Faz seu trabalho e confia. Metáfora importante para obras nas quais homens negros jovens (em sua maioria) e em alguma medida o próprio Marlon, estão em contato permanente com as condições de ser negro no Brasil, de ser um jovem homem negro no Brasil.

Em Amanhecer, com os pés fincados no chão e a cabeça nas nuvens, o que está posto é o direito de sonhar, de fazer pedidos a estrelas cadentes e torcer para que se realizem. O sonho cuida do sentimento e, a partir deles, criamos ordem no mundo. Ao mesmo tempo, ganha-se a percepção de que as coisas, sejam elas quais forem, existem para serem transformadas.

O Entardecer é o momento em que estamos em mar alto. Atravessando o mar, sem nação, por conta própria e soberano de si mesmo, e ao mesmo tempo, sujeito aos perigos do tempo, do mundo, das intempéries, dos destroços de naufrágios. É possível sobreviver em mar alto mesmo diante de toda precariedade e dificuldade. Lugar onde a fé e a confiança são testados. Em mar alto (ou em alto mar), o dia custa a passar … Entardecer, nesta série, aponta para o lugar do desconforto e do deslocamento, do homem negro e de sua subjetividade, das masculinidades negras e de como recusar o mundo e as imagens que a branquitude e o racismo construíram de si, de nós. A supremacia branca e o racismo e os ventos que sopram. Aqui, nesta subsérie, também encontramos quatro quadros que representam questões raciais urgentes: o domínio e o poder da palavra e a objetificação, a tentativa de submeter e a estereotipação, o roubo da vida e dos sonhos e a tentativa de, frente ao racismo antinegro, anti-homem negro e toda violência imputada, de manter-se de pé, de tentar dar conta e estar em equilíbrio e bem. Em travessia, busca-se silenciar ou responder perguntas que não se calam.

Se a tarde aponta para o que está por vir, a escuridão fala do peso e das fronteiras entre consciente e inconsciente. Como nos sentimos quando chega a noite? O que seríamos obrigados a fazer se fosse sempre noite? Como lidar com o que aflora quando estamos à deriva? Ansiedade, medo, melancolia emergem também como encontro: de autodescoberta, de autorrepresentação. É no Anoitecer que se reencontra a musa, a esperança, o sonho e principalmente que, vivendo e existindo plenamente, reencontra a si mesmo. Entre o Amanhecer e o Anoitecer há um ciclo que se repete, contínua e lentamente.

Ao mesmo tempo, é bom lembrar, nem tudo na vida negra é deslocamento, estranhamento e dor, ou uma reação permanente ao que está posto. Esta vida negra, nas entrelinhas ou não, e em todas as suas cores é imensa, vibrante e genial. E reconhecer o que nos afeta faz parte deste mesmo continuum, desta ambiguidade, do que somos.

A série ‘Amanhecer, Entardecer, Anoitecer’, produzida para esta exposição, aponta para um processo em permanência, para o corpo em ação, em movimento. Não é sobre a manhã, a tarde ou noite por elas mesmas. É Mar Alto. É o processo de dançar com o tempo e treinar o fôlego para resistir. De atravessar. De chegar à. E poder, se quiser, quando for a hora, retornar.