Resta-nos bailar nessa skizi que torna-se consonante (excerto)
Pedro França, nasceu num Rio de Janeiro de quarenta e um anos atrás. Fez Mestrado em História na PUC- Rio (2010) e desempenhou durante alguns anos ofícios que pouco ou muito se distinguiam da produção artística: aos 18 já escrevia sobre trabalhos de colegas e aos 20 foi curador, função que mais tarde veio desempenhar inclusive na programação de eventos da 29a Bienal de São Paulo (2010). França também atuou como crítico de arte e professor (também desde os 20 anos até o início da pandemia) de História da Arte no MAM-SP, no Instituto Tomie Ohtake e na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, onde começou a estudar quando ganhou uma bolsa. Embora tenha começado a desenhar aos 15 anos como autodidata, foi justamente na EAV onde o encontrou com Anna Bella Geiger, artista e professora que marcaria seus estudos, pensamentos e, sobretudo, a concepção de harmonia singular do seu trabalho. Geiger dava aulas mostrando obras sem ensaiar ou incitar qualquer discurso que as antecedesse. É o bailar nessas diferenças que tornam-se consonantes. O mesmo princípio se revelou pertinente quando o artista ingressou na Ueinzz, companhia teatral da qual participou por 13 anos, desenhando cenas, construindo obras-cenários e entendendo que elementos teatrais se reencarnam em muitos detalhes da produção de Artes Plásticas e Visuais.
Num processo de criação coletiva, teatral, o desenho foi a forma encontrada pelo artista de fixar os movimentos, impedir que evaporem, criar roteiros e fascinar-se pelos gestos sempre fugidios. Na pandemia, com a falta do teatro, Pedro França passou às cenas suportadas pela imaginação e condensadas no desenho e na pintura. O movimento mais ou menos cênico, contudo, se revela também nas suas esculturas, embora imóveis. Afinal, nelas a sujeira, a cozinha, o lixo, o gesto e a natureza são apresentadas num baile. Um baile não-dicotômico. Aliás, formado musicalmente pelo funk, França entende e afirma que “trabalhar com uma mídia é encontrar a forma como ela consegue receber tudo, fazendo com que qualquer motivo possa entrar”. Trata-se de “um jeito menos neurótico e obsessivo de lidar com as coisas”. Nas aulas que apresentava, nas aulas que assistia, nos vídeos, cenas, esculturas, uma pergunta: “o que faz uma imagem querer ficar do lado da outra?”, indaga o artista. A sucessão de cenas revela-se a sucessão de desejos ocultos, oníricos e por vezes apavorantes. Podemos perceber que o teor cênico, imagético, narrativo dos desenhos e afrescos se encontra com a espacialidade por vezes cartográfica da cerâmica utilizada nas suas esculturas. Estamos bailando num palco com placas tectônicas, em movimento constante e corpóreo, sem princípios controlados. Vez ou outra irrompe um choque intenso, quase explosão: encontro.
A argila, matéria utilizada na construção das suas esculturas, invoca alguma familiaridade. Afinal, imagina-se que qualquer pessoa possa construir algo com ela. E não raro o artista abre seus processos a colaborações. Aproximação e intimidade entre elementos e forças distintas se faz presente na sua prática artística como na sua prática teórica quando professor, por exemplo. Na exposição essa tendência ao encontro e consonância entre divergentes toma a forma através da obra Caldo Vivo, por exemplo, desdobramento de uma experiência no México. (...) Uma outra experiência apreendida no México foi a técnica do afresco - pintura feita sobre paredes ou tetos que tenham com camada fresca de argamassa para que assim possa melhor receber a tinta.