07/12/24 a 08/03/25
Viva
Nas esculturas de Chacha Barja e nas pinturas de Daniel Barreto, a presença de camadas e texturas sobressai como um elemento essencial. Suas superfícies, construídas ao longo do tempo, parecem colecionar impregnações de tinta e matéria que se integram organicamente às telas e peças cerâmicas, como um registro do contato entre corpo, gesto e matéria.
As obras de ambos carregam uma sensação de constante transformação, como se desmanchassem e recriassem em um fluxo incessante. Nas pinturas de Barreto, essa dinâmica é traduzida em composições que fogem de perspectivas fixas e fronteiras rígidas atreladas a uma pintura realista. Suas cenas oscilam entre o detalhe e o todo, borrando a separação entre o íntimo e o vasto. O movimento perpétuo das camadas e figuras imprime às obras um ritmo pulsante, onde tudo parece estar em transição — ora se expandindo, ora se contraindo, como uma dança entre o visível e o inacabado.
Já nas esculturas de Barja, o fluxo assume uma materialidade quase lúdica, como se moldar e desfazer fossem gestos simultâneos, como de uma criança. Suas peças evocam a transitoriedade, com uma aparência que sugere algo prestes a se dissolver, como se cada obra captasse um momento efêmero de mutação.
Essa plasticidade confere às formas uma ambiguidade que desafia leituras definitivas: corpos fragmentados, duros e moles ao mesmo tempo, habitam suas esculturas. Evocam intenções semelhantes às dos ex-votos, são pedaços deixados para a criação e insistência do desejo, podem-se encontrar com histórias migratórias, entre amores, trabalhos, estados de fé. Porém, suas "figuras" mais escapam da estética que convencionam esses anseios. Nas mãos de Barja, esses fragmentos são menos estáveis, escapam de definições únicas e tornam o fervor algo palpável, uma matéria sensível em plena metamorfose.
Daniel Barreto, nascido em Volta Redonda no Rio de Janeiro, inicia seu percurso artístico no grafite, encontrando nas ruas uma matéria-prima que será frequentemente revisitada em seus cadernos de esboços. Os cadernos funcionam como um laboratório de experimentação, onde cenas urbanas e marcas do cotidiano são transfiguradas em camadas pictóricas.
Chacha Barja, por sua vez, traz em sua trajetória o movimento migratório: vindo de Belém, no Pará, estabelece-se no Rio de Janeiro antes de se fixar em Recife. Durante esse trajeto, seu fazer se torna lugar de articulação – morada – entre memórias, territórios e as estruturas que mais tarde dão corpo às suas esculturas.
Tanto Barreto quanto Barja compartilham um interesse que perpassa aquilo que é comum, talvez cabeça, ouvidos, boca — partes e gestos que remetem ao cotidiano abrupto, repleto de histórias que muitas vezes aparecem nas narrativas nos trajetos na rua, da festa e da reza.
O encontro entre Barja e Barreto vai além da instabilidade cotidiana ou da contradição de estar em movimento. Suas obras refletem uma curiosidade radical pela vida, uma abundância rara em tempos de colapso ambiental, crises e conflitos. Há, nelas, uma teimosia em afirmar o que ainda pulsa, em desarmar estratégias de violência e cultivar o desejo de criar. Nesse fluxo incessante de transformação, seus trabalhos insistem em engrenagens que se constituem na vitalidade de se impressionar com a matéria e o estado das coisas ao seu redor.
Suas práticas não se restringem ao contexto local, mas conectam experiências individuais e coletivas, propondo novas formas de olhar para as relações entre corpo, espaço e comunidade. Esse engajamento traduz um comprometimento em pensar a arte como um meio de transformação e diálogo entre o pessoal e o coletivo. São arranjos que partem de um ponto a outro, reinventando aquilo que se viu.
Misturam-se seus pensamentos com tudo à sua volta, afirmando sua parte no todo. Vivos.
Ariana Nuala
São Paulo,
dezembro de 2024