Pelo que se pode ver é crônica. Os doutores disseram que vamos ter que conviver com as crises até o fim. Precisamos, portanto, de paliativos para sanar os sintomas e nos manter fortes para que não voltemos a adoecer.
É crônica a doença dos que reportam suas notícias mais íntimas como arte. Os doutores, masmorras de academias, estudam e prescrevem, mas não se contagiam. E o paliativo é o mais simples prazer que se pode extrair da dureza da vida. Uma fuga, uma aventura, uma brisa. É crônica, porque é relato e atualiza-se em cada esquina. É crônica porque não rima e, quando rima, não importa. Ao menos não importa mais do que importa a tragédia da rotina. É quase um jornal, um diário. Disso se morre e por isso se vive.
Viver como a novela das nove zomba do noticiário que a antecede. Viver como quem decide dizer que não se importa com o preço das horas. A doença avança a cada vez que respondemos com “tudo bem” ao despreocupado “como vai?” dos demagogos. Mas não é só revolta que estampa a face febril de quem se contamina. Também celebramos em convulsão a realidade, como quem não se fia em depressões e nostalgias. E, talvez, sejamos os que mais festejam as cisões da cidade no terror mais concreto de todo santo dia. É o paliativo, um antitérmico, a alegria. Apaga-se com ela uma barricada em chamas num futuro de rebeldias, mas rebela-se com ela no presente de extremo frio das agonias. Uma fuga, uma aventura, uma brisa. A grande alegoria.
Respondemos mal a medicação, porque não criamos a doença. Quem a criou segue imune e impune de seu caráter maligno. A crônica das classes é a sua consciência e o sintoma mais comum é o vigor da poesia. Afiada palavra feitiço que, abstrata, trata do caldo invisível da vida. Fragmentos, ossatura, concreto, armado de símbolos, formas e fantasia. O singular coletiviza a sintonia dos campos de batalha da existência em maior ou menor minoria. Um corpo que vibra as suas bandeiras, heráldica e semioticamente hasteia a política. Como um todo que se move por pura harmonia das intuições, pelos sinais do tempo, como palavras subentendidas.
Há uma magia no verso da bula, que burla a lógica da contraindicação. Um encantamento que nos apossa e que passa a brilhar na nossa agonia. Quando a crise volta a nos acometer, conjuramos na palavra o feitiço. Quando o feitiço desaparecer, há de restar na palavra o caminho. De sempre lembrar-nos de ser mandingueiro, pois é de encantada que a morte termina. Marcado no chão, como chave e portal, o ponto riscado que nos anuncia, aponta pra todes, em alto e bom som, que a calamidade não cala a mandinga.
Se não há cura, que a loucura perdure enquanto o mundo girar pelos sãos, e que os sãos nunca saibam lidar com a nossa complexa compleição. Que sejamos coches, que sejamos os riscos da nossa própria diferença. Num mundo que gira padrões, que sejamos a altera presença. Pois quando nos encantamos em um mundo desencantado, dando razão à loucura, nesse mundo desconcertado, arruinamos as bases de uma hegemonia, que ainda não sabe, mas agoniza engasgada com o próprio rabo.